Para abrir a cortina

Em horário nobre, a propaganda na televisão mostrava um adolescente comprando drogas. Com o dinheiro, o traficante comprava uma arma. Com a arma, assaltava e matava a mãe do adolescente que comprara a droga. Moral da história: o usuário financia o crime.



Essa visão, ainda preponderante na mídia, na política, na polícia e na sociedade, está em xeque. Cada vez mais gente influente vêm mostrando que o problema é mais profundo: quem financiaria o tráfico seria justamente a proibição. Esta nova abordagem vem crescendo principalmente na América Latina e na Europa e se coloca como substituta do atual paradigma da repressão sustentado pela ONU. Mas, para a mudança acontecer de fato, é necessário o estímulo da sociedade.
E, para isso, os formadores de opinião têm papel fundamental.

Na contramão do discurso repressivo, o documentário “Cortina de Fumaça”, que será lançado na sexta-feira, 24 de setembro, na sessão de meia-noite no Cine Odeon, durante o Festival Internacional de Cinema do Rio 2010, traz as vozes do novo milênio. Produzido, escrito e dirigido pelo jornalista Rodrigo Mac Niven, numa co-produção independente entre a J.R. Mac Niven Produções e a TVa2 Produções, o filme, de 94 minutos, traz 34 entrevistas. Médicos, pesquisadores, advogados, juízes, políticos, policiais e representantes de movimentos civis do Brasil e da Inglaterra, Espanha, Holanda, Suíça, Argentina e dos Estados Unidos expõem sólidos argumentos que desmontam o paradigma atual que demoniza as drogas e seus usuários. Entre os entrevistados, estão figuras de destaque político, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Suprema Corte Argentina, Eugênio Raúl Zaffaroni.

As entrevistas abordam temas como a relação entre o homem e as substâncias psicoativas, a discordância entre a atual classificação das drogas e o conhecimento científico sobre elas, o potencial medicinal e industrial da cannabis, as políticas de segurança, os direitos individuais e estratégias de redução de danos. Também estão na pauta o projeto proibicionista e o colapso social provocado nas grandes cidades pela violência e a corrupção.

“Todos os entrevistados são pessoas muito sérias e competentes naquilo que fazem”, afirma o diretor. Ele explica que não ouviu pessoas contrárias à legalização ou descriminalização das drogas justamente porque o discurso atual da proibição das drogas já era algo muito recorrente, e ele buscava “informação nova, que ainda não tinha sido colocada na mesa”.



Em suas andanças mundo afora, Mac Niven teve a oportunidade de conhecer realidades diferentes. Na Suíça, visitou uma fábrica de maconha (foto); na Califórnia, um dispensário de maconha medicinal e a Oakterdam University, que prepara profissionais para o uso industrial da planta (fotos abaixo).

“O objetivo do filme é passar informação para que as pessoas possam repensar seus conceitos em nome de uma sociedade mais equilibrada, em todos os sentidos. Precisamos inspirar as pessoas para que elas possam se abrir para novas discussões e ideias”, afirma Mac Niven.

Para o diretor, a atual política de drogas baseada na repressão ignora princípios e direitos universais de liberdade e soberania, mas a sociedade, desinformada, não enxerga isso. Ele adianta que o documentário não entra no mérito de qual seria o modelo para lidar com esse tema, limitando-se a instigar as pessoas a questionar o que vem sendo feito e a buscar novos caminhos, “através do debate e da informação verdadeira, livre de espetáculos midiáticos, crenças ou ideologias.”

Apesar de qualificar a questão como um tabu, o diretor espera que a mídia reaja muito bem ao lançamento. “A mídia também é tema do documentário. A sociedade precisa de uma mídia consciente e parceira”, opina.

 Cannabis terapêutica
Uma entrevista que Mac Niven considera “fantástica” é a do médico psicofarmacologista Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas e professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Carlini fala dos benefícios cientificamente comprovados do uso medicinal da maconha e afirma que a negação disso tem razão unicamente ideológica.

O uso terapêutico da cannabis também é defendido pelo médico Marco Renda, que sofre de hepatite C há 20 anos e tem autorização para cultivar a planta em sua casa, no Canadá, e consumir 26 gramas por dia. Renda, editor do site Treating yourself, diz que a maconha é simplesmente uma planta, e que não se pode patenteá-la e proibir que seja usada em prol da saúde das pessoas.

O neurocientista Renato Malcher, autor do livro “Maconha, cérebro e saúde”, explica que o cérebro produz, ele mesmo, moléculas semelhantes aos princípios ativos da maconha. Ele afirma que, da mesma forma que algumas pessoas procuram um psiquiatra para tomarem uma medicação para aliviar sintomas como estresse ou ansiedade, outras podem usar maconha.
Proibição irracional


Candidato ao governo do estado do Rio pelo Partido Verde, o escritor e jornalista Fernando Gabeira diz que as drogas sempre existiram e sempre irão existir, e por isso não se deve pensar em aboli-las e sim em reduzir os danos causados por elas.

O ministro da Suprema Corte Argentina Eugênio Raúl Zaffaroni concorda. Segundo ele, o consumo não deixa de existir porque a droga é proibida. Para o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, o primeiro passo para uma mudança na política de drogas é a descriminalização.


Ethan Nadelmann, fundador e diretor-executivo da organização americana Drug Policy Alliance, questiona por que algumas substâncias são liberadas sem controle algum, enquanto outras são consideradas ilícitas e seus usuários criminosos. O secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, chama de “completamente irracional” a política atual de drogas.

O professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), Henrique Carneiro, afirma que os maiores problemas relativos às drogas ilícitas hoje, como a violência e a alta lucratividade, estão justamente relacionados à proibição.

A opinião é a mesma de Jack Cole, policial americano que durante 14 anos trabalhou como agente de narcóticos infiltrado e hoje, aposentado, trabalha pela reforma da atual política de drogas na organização Law Enforcement Against Prohibition (Leap, na sigla em inglês). Para Cole, a legalização regulamentada é a única forma de acabar com a violência.

O delegado Orlando Zaccone, coordenador geral de controle de presos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, critica as políticas de segurança contra às drogas voltadas para o consumo varejista e diz que pouco ou quase nada se faz em relação à base econômica da questão.

O advogado criminalista Alexandre Dumans argumenta que a descriminalização das drogas não pode acontecer sem uma regulamentação e fiscalização, e que só desta maneira seria possível acabar com o mercado negro das drogas.

"Cortina de Fumaça" abrirá, no dia 24 de setemmbro, a Mostra Internacional Midnight Movies. Será a única produção nacional na mostra. O filme terá outras duas exibições no festival.


Informações - www.comunidadesegura.org - Fotos: divulgação

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